sábado, 3 de novembro de 2012

porque era o que estava em toda parte

"Em uma folha de papel amarelo com linhas verdes
ele escreveu um poema
E o intitulou "Chops"
porque era o nome de seu cão
E era o que estava em toda parte
E seu professor lhe deu um A
e uma estrela dourada
E sua mãe o abraçou à porta da cozinha
e leu o poema para as tias
Era o ano em que o padre Tracy
levava todas as crianças ao zoológico
E ele deixou que cantassem no ônibus
E sua irmãzinha tinha nascido
com unhas minúsculas e nenhum cabelo
E sua mãe e seu pai se beijavam tanto
E a garota da esquina mandou para ele
um cartão de Dia dos Namorados assinado com vários X
e ele teve de perguntar ao pai o que significava X
E seu pai deixou que ele dormisse na sua cama à noite

E era sempre lá que ele dormia

Em uma folha de papel com linhas azuis
ele escreveu um poema
E o intitulou "Outono"
porque era o nome da estação
E era o que estava em toda parte
E seu professor lhe deu um A
e o pediu para escrever com mais clareza
E sua mãe não o abraçou à porta da cozinha
por causa da pintura nova
E as crianças disseram a ele
que o padre Tracy fumava cigarros
E largava as guimbas no banco da igreja
E às vezes elas faziam buracos
Que era o ano de sua irmã usar óculos
com lentes grossas e armação preta
E a garota da esquina riu
quando ele pediu para ver Papai Noel
E os garotos perguntaram por que
a mãe e o pai se beijavam tanto
E seu pai não o cobria mais na cama à noite
E seu pai ficou furioso
quando ele chorou por isso.

Em um pedaço de papel de seu caderno
ele escreveu um poema
E o intitulou "Inocência: Uma Questão"
porque a questão era sobre uma garota
E isso estava em toda parte
E seu professor lhe deu um A
e um olhar muito estranho
E sua mãe não o abraçou à porta da cozinha
porque ele nunca o mostrou a ela
Foi o primeiro ano depois da morte do padre Tracy
E ele esqueceu como terminava
o Creio em Deus Pai
E ele pegou a irmã
se agarrando na varanda dos fundos
E sua mãe e seu pai nunca se beijavam
nem mesmo conversavam
E a garota da esquina
usava maquiagem demais
O que fez ele tossir quando a beijou
mas ele a beijou mesmo assim
porque era a coisa certa a fazer
E às três da manhã ele se aninhou na cama
seu pai roncava alto

É por isso que no verso de uma folha de papel pardo
ele tentou outro poema
E o intitulou "Absolutamente Nada"
Porque era o que estava em toda parte
E ele se deu um A
e um corte em cada maldito pulso
E se encostou na porta do banheiro
porque nessa hora ele não pensou
que poderia alcançar a cozinha."

(As Vantagens de Ser Invisível - Stephen Chbosky)

quinta-feira, 14 de junho de 2012

i just want to be sad right now





A parte mais difícil de ter um humor constantemente ruim é ter que explicá-lo. É mais fácil inventar uma desculpa qualquer para a cara de merda do que explicar os motivos pelos quais o mau humor se encontra detectável a quilômetros de distância. As pessoas não entendem e tampouco respeitam. Cobram bom humor como se o meu dever fosse fornecer a dose mínima diária de motivos para encarar o dia de modo positivo. Eu me canso, eu tenho obrigações, se eu pudesse nem da cama sairia. Eu sempre fui aquela voz intermediária que só se manifesta quando é necessário, que prefere se abster de comentários para evitar a situação ridícula em que você fala, ninguém escuta e rapidamente você procura alguém que esteja olhando para não se sentir idiota.

Eu odeio me olhar e não gostar do que eu vejo. Eu odeio olhar para as coisas que eu fiz e me perguntar por que eu fiz. Todos os dias. É como se não fosse possivel ter um dia sem querer desaparecer







domingo, 6 de maio de 2012

meu coração



"Meu Coração, não batas, pára!
Meu Coração, vai-te deitar!
A nossa dor, bem sei, é amara,
A nossa dor, bem sei, é amara:
Meu Coração, vamos sonhar ...
Ao Mundo vim, mas enganado."

Antônio Nobre (Só)






segunda-feira, 30 de abril de 2012

Re, Re, Re



"Refaço meus passos para tentar reencontrar o que perdi; volto à padaria, ao mercado, ao shopping e ao salão, recupero moedas e elásticos, mas se confundem com o asfalto os pedaços do meu coração. A musculatura é cinza, falta à ela o oxigênio que respiraram por mim, só o que posso fazer é colocar algodão para preencher os espaços vazios (cheios de necrose). Sei que o esperado era que eu me desfizesse em areia ou que de mim vazasse um líquido qualquer, jamais algodão, algodão é difícil de empurrar de volta para o lugar, principalmente quando não há pele o suficiente para me fechar.

Reescrevo diálogos, em prosa, reafirmando a necessidade de um ponto final.


Relembro dos erros e espero ansiosamente pela revolta, pois, para o último ônibus, só vendiam passagem sem data de volta.